Mais um ótimo texto apresentado no Enem 2012.
Cabeludinho
Quando a Vó me
recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi
estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição
deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no carnaval: aquele menino
está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava
de sério. Mas todo-mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de
uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras
e uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no
meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não
disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa
quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com
elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de
lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que
elas informam. Por depois ouvir um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena,
não me escreve/ que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu
ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.
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